Do livro de Francisco César Palma Araújo (Professor Chico Experiência)
No começo do século XIX, Bragança possuía grandes fazendas de café, na época, a maior riqueza nacional. Tudo o mais era importado. O comércio era ativo por ser zona de passagem para o Sul de Minas. O folclore local chegou mesmo a cunhar a expressão “bragantino é mineiro cansado, a caminho de São Paulo desistiu.” Desde a época colonial, a região primou por fornecer gêneros de consumo à Capital, especialmente aves e suínos.
Não é acidental a fama das boas linguiças que a cidade leva até hoje. A ligação com São Paulo era feita por precárias estradas de terra, passando pela cidade de Belenzinho (atualmente Francisco Morato), utilizando-se tração animal: charretes, trolys, carroças e tropas de muares.
É o momento em que os ingleses entraram em cena. Além de possuírem capitais de vulto e sólida estrutura bancária, detinham e dominavam a tecnologia de ponta da época no setor dos transportes: a ferrovia.
Em outubro de 1859, obtiveram concessão para construir a primeira estrada de ferro de nosso Estado: a São Paulo Railway Company, que ligava o porto de Santos a Jundiaí, passando pela capital.
Esta ferrovia era a via principal por onde passou a se escoar o café produzido em São Paulo. A partir daí, inúmeras outras estradas de ferro surgiram, quase sempre buscando as regiões cafeeiras paulistas: Mogiana, Sorocabana, Araraquarense, Ituana, Itatibense e … a Bragantina. Deve-se frisar que todas estas estradas, direta ou indiretamente, desembocavam na S P Railway. Em sua quase totalidade, foram incorporadas com capital nacional.
Os ingleses, na realidade, somente se interessavam pelo “filé”, ou seja, o tronco principal de exportação, de Santos a Jundiaí. A Estrada de Ferro Bragantina não fugiu à regra: foi construída pelos fazendeiros da cidade, os quais não tinham interesse pela estrada em si, mas nas facilidades proporcionadas ao escoamento da produção das fazendas.
A estrada de Ferro Bragantina foi aberta ao tráfego em 1884. Onze anos após, suas ações foram adquiridas por um grupo capitalista de São Paulo, liderados por Luiz de Oliveira Lins de Vasconcellos. E a estrada já apresentava problemas financeiros nessa época.
Surge então a pergunta: por que pessoas que vivem dos lucros de seu dinheiro (capitalistas, no caso), investem em algo que, na melhor das hipóteses, empata receitas com despesas? Não pudemos obter informações precisas, mas o empresário Lins de Vasconcellos e seus parceiros efetuaram um excelente negócio após oito anos. Pois este período foi marcado por um jogo de interesses envolvendo a São Paulo Railway e a Companhia Mogiana, esta com o quilômetro zero de seus trilhos em Campinas.
Aqui cabe assinalar o seguinte: era proibida a construção de outra estrada de ferro paralela dentro da área de atuação da primeira. E para uma ferrovia cruzar outra teria que contar com a concordância da construída anteriormente. Assim, as estradas de ferro paulistas eram tributárias da São Paulo Railway e tanto cargas como passageiros tinham de fazer baldeações nas estações de entroncamento, inclusive por diferenças de bitola.
Em fins do século XIX a Mogiana efetuou um estudo para levar suas linhas ao litoral, mais precisamente ao porto de São Sebastião, fora da área de concessão da S.P. Railway. Para isso, teria de construir novo tronco a partir de Amparo, passar por Bragança, seguir o trajeto da atual Rodovia D. Pedro I, atravessar o Vale do Paraíba e dai chegar ao mar. O primeiro obstáculo (de ordem legal) seria cruzar a Estrada de Ferro Bragantina, que evidentemente só teria a ganhar com a nova linha.
Não pudemos apurar as circunstâncias que envolveram a aquisição do controle acionário da Bragantina por Lins de Vasconcellos e seus parceiros, mas aventamos duas hipóteses. Na primeira, este entreviu a possibilidade de oferecê-la simultaneamente aos ingleses e à Mogiana, ambos interessados na aquisição. Ou este cavalheiro seria um “testa de ferro” dos interesses britânicos.
A questão se arrasta e a São Paulo Railway adquire de Lins de Vasconcellos e seus parceiros as ações da Companhia Bragantina em 1903, trancando definitivamente as pretensões da Mogiana de chegar a São Sebastião. Com essa manobra, Bragança perde a oportunidade de se constituir em entroncamento ferroviário mais importante que o de Campinas, além de contar com acesso direto ao litoral.
O ano de 1929 é marcado pelo crack (quebra) da Bolsa de Valores de Nova York. As exportações de café caem verticalmente, registram-se falências em massa, especialmente de cafeicultores. Com a ascensão de Getúlio Vargas ao poder em 1930, os produtores rurais de São Paulo perdem definitivamente a hegemonia política exercida desde o Império. O vazio político é ocupado pela burguesia urbana, de base econômica centrada na indústria.
A malha ferroviária paulista, construída em função do escoamento do café, entra progressivamente em decadência. Em setembro de 1946, a S.P.Railway passa à União, integrando posteriormente a Rede Ferroviária Federal. O único ramal que a Inglesa manteve em seus noventa anos de funcionamento (a Bragantina), por ser de concessão estadual, é repassado ao Estado de São Paulo em 1949.
Juscelino Kubitscheck, ao implantar seu Plano de Metas, prioriza o transporte rodoviário, e, consequentemente, as já combalidas ferrovias brasileiras entram em acelerado processo de deterioração. Em 1958 surge a Rodovia Fernão Dias, fato que sela definitivamente a sorte da Estrada de Ferro Bragantina. Ainda assim a ferrovia sobrevive até 1967, com seu movimento reduzido.
último trem circula a 21 de junho de 1967.